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"Viriato" de Mariano Benlliure (1940)
"NO ANO DE MIL NOVECENTOS E QUARENTA O POVO DESTA TERRA COMEMORA OS FEITOS DE VIRIATO"
"AQUI MERGULHAM AS RAÍZES DESTA RAÇA VIVA E FORTE - IMORTAL NA SUA ESSÊNCIA"
Inscrição existente nos muros do “Monumento a Viriato” de Mariano Benlliure, 1940
Nada mais falso que a pretensa existência da “raça” [portuguesa] que máquina de propaganda do Estado Novo, a designação oficial da ditadura salazarista alardeava como se pode ler nesta inscrição que poucos deverão conhecer, existente nos muros do “Monumento a Viriato” que antecedem um dos taludes da “Cava de Viriato”. A vontade de homenagear Viriato, com uma estátua foi expressa pela primeira vez pelo vereador Dr. José Coelho (Professor de História e arqueólogo amador) à Câmara Municipal de Viseu em 1914 e o monumento veio a ser inaugurado em 16 de Setembro de 1940. Repare-se na contradição - para fazer a exaltação da “raça portuguesa”, nada melhor que um escultor espanhol - Mariano Benlliure y Gil (Valencia 8 de Setembro de 1862 – Madrid, 9 de Novembro de 1947) que por ter uma grande amizade com o Capitão Almeida Moreira, ofereceu o seu trabalho à cidade. Mariano Benlliure nasceu no seio de uma família de artistas e veio para Portugal para fugir da Guerra Civil de Espanha (1936/1939) e restabelecer da doença que o apoquentava, porque a sua esposa Carmen Quevedo Pessanha tinha família em Viseu.
Os portugueses são uma mistura de muitos de povos que chegaram ao “fim-do-mundo”, ao grande oceano durante muitos milénios impossível de ultrapassar, e se instalaram deixando a sua herança genética e cultural. Povos vindos do continente africano, da Europa no Norte, Central, do Sul e da Ásia chegaram ao território que viria a ser Portugal por terra e pelo mar. Desde a pré-história não pararam de chegar até hoje – africanos, sul-americanos e gente do Leste da Europa e da China constituíram as mais recentes migrações. Durante o período da expansão portuguesa, conhecido por “Descobertas”, os portugueses conhecedores da ciência e técnicas da navegação científica mais avançada, levaram e trouxeram genes do continente americano, da Índia, da China e do Japão. Esse período pouco contribuiu para o desenvolvimento económico e social de Portugal porque o negócio era um monopólio da coroa que dissipou os ganhos obtidos e os intermediários que vinham a Lisboa, comprar as especiarias a Lisboa para revenda, ficavam com a maior parte do lucro e o contrabando florescia. Nos dois séculos seguintes holandeses e ingleses tomaram conta do negócio e aos portugueses sobrou o ouro do Brasil que em breve se esgotaria. Toda essa riqueza não contribuiu para modernizar o país e foi desperdiçada em vaidades e gastos sumptuários.
Navegadores, mercadores fenícios e cartagineses, originários do actual Líbano, dominavam o comércio marítimo e tornaram-se inimigos de Roma que além do comércio pretendia conquistar as terras mediterrânicas e do vizinho Atlântico. Foram três as “Guerras Púnicas” travadas no entre 264 a.C. e 146 a.C.., os cartagineses que saíram derrotados não pretendiam ser colonizadores, limitavam-se a criar entrepostos comerciais para realizarem os seus negócios mas os romanos ocupavam os territórios que transformavam em colónias e impunham a sua civilização, incluindo naturalmente a sua língua e deuses.
Os lusitanos constituíam uma população muito dispersa que vivia numa faixa de território entre os rios Douro e Tejo que se prolongava até ao sul da actual Estremadura espanhola, ocupando lugares altos e fortificados no cimo de montes ou outeiros. As suas casas eram feitas de pedras soltas e cobertas de colmo. Muito independentes, organizavam-se em tribos, cada aldeia obedecia ao seu chefe e apenas em caso de guerra, escolhiam por eleição um chefe militar a quem passavam a obedecer e entregavam as “virias” (braceletes de metal que podiam ser de ouro) – “Viriato” poderia indicar o homem portador da “virias”. A hipótese de Viriato ser natural dos Montes Hermínios (Serra da Estrela) e foi um simples pastor provavelmente não é verdadeira. Seria filho de um chefe tribal (Comínio) e veio a casar-se com a bela Tongina (ou Tangina), filha de um rico proprietário da Bética (Andaluzia) chamado Astolpas que se entendia bem com os invasores e cujo “dote” rejeitou. Certamente terá guardado gado mas viveu e enfrentou os romanos mais para sul, numa vasta área que abrange os actuais Alentejos, Estremadura espanhola e Andaluzia. São várias as terras portuguesas que pretendem ter sido o lugar do nascimento de Viriato - Loriga, Sabugueiro, Folgosinho (todas na Serra da Estrela) e Cabanas de Viriato. Existem estátuas do chefe dos lusitanos em Viseu, Cabanas de Viriato, Folgosinho, Vila Viçosa, Lisboa (Arco da Rua Augusta). Em Espanha afirma-se que Viriato foi espanhol e existe em Zamora, uma notável estátua com a inscrição – “Viriato Terror dos Romanos”, do escultor Eduardo Barrón González (1903).
Os lusitanos viviam da criação de gado, zangavam-se muitas vezes entre eles e sobretudo com os vizinhos, servindo-se de pequenas quesílias para se apoderarem das suas colheitas e gado. Desde muito cedo eram instruídos nas artes da luta e aceitavam lutar como mercenários.
“Há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar” esta frase atribuída a Júlio César esclarece bem a natureza dessa gente.
Foi este povo orgulhoso e rebelde que recusou submeter-se a Roma e foi capaz de resistir 40 anos à mais poderosa máquina de guerra da época. O chefe militar dos lusitanos mais conhecido foi Viriato (179-139 a.C), referido por historiadores romanos antigos que provavelmente terão exagerado nas suas qualidades militares, para justificar a ineficácia das legiões romanas. Historiadores como Apiano de Alexandria, Floro, Possidónio e Dião Cássio – apelidaram-no de “dux latronorum” (chefe de ladrões), mas elogiaram-no devido sua bravura, lealdade e capacidade de liderança. Esse Viriato foi um dos poucos sobreviventes da armadilha montada pelo Pretor Sérvio Sulpício Galba, em 150 a.C. quando os lusitanos decidiram aceitar a paz em troca da entrega de terras férteis nas planuras. Galba exigiu aos lusitanos que se reunissem desarmados para decidir sobre a partilha das terras. Cercados e sem armas milhares de lusitanos foram chacinados ou capturados e vendidos como escravos para a Gália. Entre os poucos que lograram escapar encontrava-se Viriato.
O golpe traiçoeiro foi denunciado, as autoridades de Roma exigiram a presença do Pretor para ser julgado por faltar à palavra, ao ludibriar e atacar homens desarmados, envergonhando a República Romana. Só não recebeu um castigo exemplar porque pertencia a uma família rica e influente e terá subornado a justiça. A “guerrilha” era a maneira mais eficaz de combater com sucesso as legiões romanas, um exército fortemente armado preparado para confrontos directos, realizados em terrenos de fácil manobra que dominou um território muito vasto na Europa, África e Ásia. Mas Viriato chegou a atrever-se com êxito a enfrentar as legiões em campo aberto e vencer. Depois de ter conseguido derrotar sucessivamente cinco generais e impor tréguas, o Senado Romano humilhado enviou em 139 a.C. para a Hispânia Ulterior (a outra divisão administrativa romana era a Hispânia Citerior), o general Quinto Servílio Cipião que rompeu as tréguas, combateu e impôs pesadas derrotas aos lusitanos e pressionou Viriato a negociar a paz. Acossado o chefe dos lusitanos foi obrigado a entabular conversações, confiou em três companheiros - Audas, Ditalco e Minuro que foram muito bem recebidos pelo general e acabaram por apunhalar o seu chefe, enquanto dormia na sua tenda. Os traidores, procuraram refúgio junto dos romanos após o assassinato de Viriato, e quando reclamaram o prémio foram executados em praça pública e os seus corpos ficaram expostos com os dizeres “Roma não paga a traidores”.
A ideia de que os portugueses são descendentes dos lusitanos está completamente errada porque esse foi apenas mais um povo, tribo ou grupo entre muitos que habitaram a Ibéria e acabaram por se miscegenar. Provavelmente seriam oriundos da Europa Central, talvez Celtas? É sabido que não bebiam vinho mas cerveja, comiam pão de bolota, criavam gado, eram exímios cavaleiros, tão aguerridos que até as suas mulheres participavam nas lutas e defendiam as aldeias (castros). Os romanos obrigaram os lusitanos a abandonar os montes e a instalarem-se nas terras baixas.
Durante os sec. XV a XVII e sobretudo durante os anos de 1580 a 1640 foi criado por autores eruditos - Frei Bernardo de Brito (autor da fantasiosa “Monarquia Lusitana” - 1597), Camões, Brás Garcia de Mascarenhas, o mito do portuguesismo de Viriato e dos “Lusitanos”, por oposição aos vizinhos “Castelhanos” que conseguiram durante 80 anos manter a península sob a mesma coroa.
É bem provável que o Viriato nunca tenha passado por Viseu porque a sua actividade conhecida teve lugar na região do sul da península. A fortaleza octogonal com 2.000 m de perímetro e 38 hectares de área, construída em terra batida, rodeada por um fosso com água, designada como – “Cava de Viriato”, foi muito provavelmente uma cidade/acampamento árabe construída na Alta Idade Média, talvez por iniciativa de Almançor (939–1002) que aqui terá concentrado um exército de muitos milhares de homens para invadir a península. As suas campanhas vitoriosas ocorreram entre e 981 e 997 quando conquistou, saqueou e por vezes arrasou cidades inteiras. Entre muitas outras: em 981 – Zamora, 985 – Barcelona, 987 - Coimbra e 997 – Santiago de Compostela. Iniciada a “Reconquista” e já constituída a nação portuguesa a fortaleza era conhecido por “Cerca da vala”, quatro séculos mais tarde começou a ser feita a ligação da fortaleza a Viriato para fortalecer, ainda mais o desejo de libertação do maior império até então ao conhecido, Filipe I de Portugal, II de Espanha reinou sobre um território muito extenso - "Onde o sol jamais se punha".
Alexandre Herculano considerado o primeiro historiador científico português e autor da “História de Portugal” (escrita entre 1846 e 1853) recusava admitir que os portugueses fossem descendentes dos lusitanos mas o “Estado Novo” exímio em falsificar a História aproveitou o mito renascentista, para exacerbar a sua política nacionalista e isolacionista. Salazar não nutria especial simpatia pelos nossos vizinhos e as suas relações com o ditador Franco, eram apenas de conveniência.
A designação da antiga fortaleza como “Cava de Viriato” é um enorme erro histórico, que se viu reforçado em 1940, ano da afirmação e consolidação do “Estado Novo” quando se erigiu o “Monumento a Viriato”, levantado com dinheiro obtido de donativos e receitas das entradas na feira anual, nos “Dias de Viriato” realizados de 1929 a 1934. Em 1940 foi celebrado o “Duplo Centenário” – Fundação do Estado Português (1140) e Restauração da Independência (1640) e por esse motivo foram instalados os “Cruzeiros da Independência”, por todo o País. Em Viseu existem dois: um no Jardim do Massorim (Largo Tenente Miguel Ponces) e outro em Abraveses (junto à Igreja). Em Lisboa realizou-se em Belém, de 23 de Junho a 2 de Dezembro, a “Grande Exposição do Mundo Português, evento propagandístico de grande dimensão e muito impacto que foi acompanhado por muitos festejos e também de um plano grandes e pequenas obras, que incluiu a construção de escolas primárias – “Escolas do Centenário”, que se prolongou até à década de 1960, com objectivo de garantir que houvesse uma escola para todas as crianças.
Bibliografia sugerida:
"A Herança Romana e Portugal" de Carlos Fabião, ”O Domínio Romano em Portugal” de Jorge de Alarcão, “A Feira de S. Mateus em 1940…” de Luís da Silva Fernandes (artigo "Feiraemrevista/2015"), "História dos Lusitanos" de Pedro Silva, "Lusitanos no Tempo de Viriato" de João Luís Inês Vaz ", "A Terra de Endovélico - o Deus dos Lusitanos", de José Galambas, "Viriato" de Leonel Abrantes e "Viriato" de Maurício Pastor Muñoz