EDITORIAL


Quando eu me poupe a falar,
Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!
José Régio


Aqui o "Acordo Ortográfico" vale ZERO!
Reparos ou sugestões são bem aceites mas devem ser apresentadas pessoalmente ao autor.

20251010

"Os Cornos de Cronos" - José F. e Costa


 
O MEU REINO POR UM... COELHO

José Fonseca e Costa é um realizador bem sucedido, no sentido em que alguns dos seus filmes foram êxito de bilheteira (“Kilas o Mau da Fita” – 1980”, “Sem Sombra de Pecado” – 1982”, “A Mulher do Próximo” – 1988). O realizador pretende fazer filmes para o grande público, deseja assumir o “Cinema Comercial” e não trabalhar para público restrito de “cinéfilos intelectuais”. Daí a sua aposta na produção privada e o apoio do Instituto Português do Cinema que pretende ver a sua acção diluir-se e acabar com o regime de subsídios. Saúde-se o aparecimento de produtores privados e criação de uma pequena indústria de cinema nacional.
Na obra de J. F. e Costa são visíveis, nos últimos 10 anos, claras intenções de enveredar por esta via e melhorar a qualidade. O seu último trabalho “Os Cornos de Cronos” é, infelizmente, excepção e significa um retrocesso. É um filme desequilibrado e um acumular de equívocos e falhanços. Grande parte das culpas não deverão ser atribuídas ao realizador. O filme parte de um argumento, adaptado por Américo Guerreiro de Sousa, autor do romance com o mesmo título, obra frouxa sem dúvida, daí a sua falta de nexo e os seu diálogos e situações inverosímeis. A realização é simples e com certo gosto. São excepção o demasiado pudor em cenas de intimidade, entre os dois casais a contrastar com a redundância da cena em que a bela Ana Sofia (Inês de Medeiros) nos é dada no seu esplendor (aproveitada em parte para o anúncio na TV) e mostrada a decadência do seu amante Alexandre. A fotografia de Daniel del Negro é geralmente sóbria e eficaz, porém as cenas nocturnas apresentam algumas deficiências de iluminação e captação. No capítulo da montagem as imperfeições são algumas e não escapam aos espectadores mais atentos. A produção é desajeitada e facilmente se notam falhas motivadas por descuido ou incompetência. A música de António Emiliano e passagem de Inês de Medeiros são as suas melhores qualidades (pelos filmes de J. F. e Costa já passaram outras mulheres igualmente belas: Lia Gama, Vitória Abril e Assumpta Serna). Os restantes actores estão no trivial dos portugueses e é notória a sua falta de talento ou de experiência de cinema. O brasileiro Carlos Veresa (Alexandre) está muito mal, ridículo nas três fases da sua vida. De salientar a título de curiosidade, a sua figura algo semelhante à do realizador que, aliás aparece no filme numa breve imagem. Os espectadores não são capazes de distinguir se estão perante um drama ou uma comédia e desatam a rir em situações que, em princípio, o não justificariam de modo algum. O cinema simula o real, o que não significa ser realista, todavia este filme depressa deixa de ter a adesão do público que nele não acredita, a história soa a falso. Veja-se a título de exemplo: a cena do jovem apaixonado, o primo Baltazar especado no meio da praça empunhando um ramo de flores e as cenas que vão com certeza ficar famosas, na história do Cinema Português, as cenas de caça. O coelho vai, certamente, ficar famoso. Bugs Bunny (o Pernalonga) e Roger Rabitt, duas personalidades bem conhecidas do Cinema, estão em pânico... Alguém poderá lembrar-se de apresentar o coelho do filme de José Fonseca e Costa, figura bem simpática, a candidato ao “Oscar” para o “Melhor Coelho do Ano”. Bugs completou no ano passado os seus 50 anos, e nunca será vítima da doença de Cronos – o envelhecimento e a decadência.

António João

"Viseu Informação", 10 de Abril de 1991

Filme apresentado em  antestreia, sem presença do realizador, no "Auditório Mirita Casimiro"