O MEU REINO POR UM... COELHO
José Fonseca e Costa é um
realizador bem sucedido, no sentido em que alguns dos seus filmes foram
êxito de bilheteira (“Kilas o Mau da Fita” – 1980”, “Sem Sombra de
Pecado” – 1982”, “A Mulher do Próximo” – 1988). O realizador pretende
fazer filmes para o grande público, deseja assumir o “Cinema Comercial” e
não trabalhar para público restrito de “cinéfilos intelectuais”. Daí a
sua aposta na produção privada e o apoio do Instituto Português do
Cinema que pretende ver a sua acção diluir-se e acabar com o regime de
subsídios. Saúde-se o aparecimento de produtores privados e criação de
uma pequena indústria de cinema nacional.
Na obra de J. F. e Costa
são visíveis, nos últimos 10 anos, claras intenções de enveredar por
esta via e melhorar a qualidade. O seu último trabalho “Os Cornos de Cronos” é, infelizmente, excepção e significa um retrocesso. É um filme
desequilibrado e um acumular de equívocos e falhanços. Grande parte das
culpas não deverão ser atribuídas ao realizador. O filme parte de um
argumento, adaptado por Américo Guerreiro de Sousa, autor do romance com
o mesmo título, obra frouxa sem dúvida, daí a sua falta de nexo e os
seu diálogos e situações inverosímeis. A realização é simples e com
certo gosto. São excepção o demasiado pudor em cenas de intimidade,
entre os dois casais a contrastar com a redundância da cena em que a
bela Ana Sofia (Inês de Medeiros) nos é dada no seu esplendor
(aproveitada em parte para o anúncio na TV) e mostrada a decadência do
seu amante Alexandre. A fotografia de Daniel del Negro é geralmente
sóbria e eficaz, porém as cenas nocturnas apresentam algumas
deficiências de iluminação e captação. No capítulo da montagem as
imperfeições são algumas e não escapam aos espectadores mais atentos. A
produção é desajeitada e facilmente se notam falhas motivadas por
descuido ou incompetência. A música de António Emiliano e passagem de
Inês de Medeiros são as suas melhores qualidades (pelos filmes de J. F. e
Costa já passaram outras mulheres igualmente belas: Lia Gama, Vitória
Abril e Assumpta Serna). Os restantes actores estão no trivial dos
portugueses e é notória a sua falta de talento ou de experiência de
cinema. O brasileiro Carlos Veresa (Alexandre) está muito mal, ridículo
nas três fases da sua vida. De salientar a título de curiosidade, a sua
figura algo semelhante à do realizador que, aliás aparece no filme numa
breve imagem. Os espectadores não são capazes de distinguir se estão
perante um drama ou uma comédia e desatam a rir em situações que, em
princípio, o não justificariam de modo algum. O cinema simula o real, o
que não significa ser realista, todavia este filme depressa deixa de ter
a adesão do público que nele não acredita, a história soa a falso.
Veja-se a título de exemplo: a cena do jovem apaixonado, o primo
Baltazar especado no meio da praça empunhando um ramo de flores e as
cenas que vão com certeza ficar famosas, na história do Cinema
Português, as cenas de caça. O coelho vai, certamente, ficar famoso.
Bugs Bunny (o Pernalonga) e Roger Rabitt, duas personalidades bem
conhecidas do Cinema, estão em pânico... Alguém poderá lembrar-se de
apresentar o coelho do filme de José Fonseca e Costa, figura bem
simpática, a candidato ao “Oscar” para o “Melhor Coelho do Ano”. Bugs
completou no ano passado os seus 50 anos, e nunca será vítima da doença
de Cronos – o envelhecimento e a decadência.
António João
"Viseu Informação", 10 de Abril de 1991
Filme apresentado em antestreia, sem presença do realizador, no "Auditório Mirita Casimiro"