EDITORIAL


Quando eu me poupe a falar,
Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!
José Régio


Aqui o "Acordo Ortográfico" vale ZERO!
Reparos ou sugestões são bem aceites mas devem ser apresentadas pessoalmente ao autor.

20160916

Viriato Herói Mítico de Viseu


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“O mito é o nada que é tudo
(…)
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.”
In "Mensagem", de Fernando Pessoa

"Viriato, Herói Mítico de Viseu" no poema épico "Viriato Trágico",  de Brás Garcia de Mascarenhas

Governo/Canto Décimo

98

À vista de Viseu, um Rio passa,
Que no cálido Estio Vagaroso,
Com pouco cabedal, e muita graça
Divide alegre um campo deleitoso,
Por entre o qual errante se embaraça 
Em retrocida volta preguiçoso:
Que o seja um pobre, mal se compadece,
Mas este sendo-o, mui melhor parece.

99

A um lado sobe o campo ameno,
A que inda então Viseu não ilustrava,
Fez Pretor de cava, e terrapleno
Um Real, que os fortes de hoje avantajava;
Tão bom sítio escolheu, tanto o terreno
Seus Artifices destros ajudava:
Tão alta a cava fez, grossa a Trincheira
Que inda o tempo a reserva quase inteira.

100

Mil, setecentos, e setenta anos
Depois de feita, foi de mim notada
Por Gentil Epiféria de Romanos,
Se mais forte, que bem descortinada
Parece que o temor dos Lusitanos
A fez lavrar mais alta, e mais fossada,
Que inda a Cava se vê, sem ver o Leito,
Cheia d’água, e de terra o Parapeito

119

Rico de sangue corre o pobre Rio,
Que com ribeiros dele se acrescenta:
Que se a corrente lhe embargou o Estio,
O Inverno das veias lha aumenta.
Envergonhado o Lusitano brio, 
De que tanto a batalha se sustenta,
Com ímpeto geral, com novo alento
Investe, sem temer, rompe violento.

125

Todo Luso varão de posto e fama, 
Se achou nesta batalha, e mostrou nela
Todo o valor, e brio; que quem ama
O bem da Pátria, acode a defendê-la.
Quem repousar se deixa em branda cama,
Enquanto, o que a defende, em campo vela
Sem à Fronteira ir cedi, nem tarde,
Ou castelhano é, ou é covarde.

126

Nem todos podem ir, que muitos ficam
De mui licitas causas embargados;
Nem quando poucos inimigos picam,
E voam, podem logo ser buscados.
Porém quando as ruins novas se publicam
De que alguns muros nossos têm cercados,
O que causa não tem, nem vai asinha,
Ou não é Português, ou é galinha

Resolução/Canto Duodécimo

18

Eram todos Beirões, que o não ignoram
Os antigos cronistas desta guerra;
Beirão era Viriato, e Beirões foram
Quase todos o doze de Inglaterra,
Se dezassete Reis Quinas arvoraram,
Oito nascem na Beira em que se encerra
Toda a lealdade, retumbando os ecos
Dos filhos, Egas, Freitas e Pachecos

"Viriato Tragico em Poema Heroico escrito por Bras Garcia Mascarenhas natural da Vila de Avòna Provincia da Beyra, & Governador, que foy da Praça de Alfayates na mesma Provincia. Obra posthuma, Offerecida ao Serenissimo Principe Dom Ioam que Deos guarde por Bento Madeyra de Castro", Impressa em Coimbra, "Na officina de Antonio Simoens impressor da Universidade", no ano de 1699. 

Brás Garcia de Mascarenhas (10 de Agosto de 1595/8 de Agosto de 1656), nasceu em Avô (Oliveira do Hospital) fez estudos em Coimbra, teve uma vida agitada de amores, zaragatas e aventuras. Fugido à justiça portuguesa, em 1616 residia em Madrid, tendo viajado pela Europa, sobretudo França, Itália e Flandres. Depois foi para o Brasil, onde permaneceu vários anos. Regressou a Portugal e após o 1 de Dezembro de 1640, participou activamente na "Guerra da Restauração". Escreveu o poema "Viriato Trágico" na sua terra natal, onde viria a falecer em 1656. Camilo Castelo-Branco, em "Luta de Gigantes" (1865), romanceou alguns anos da sua vida agitada. Brás Garcia de Mascarenhas foi um dos responsáveis pela apropriação por Viseu, da figura mítica de Viriato e da atribuição aos romanos da construção da Cava que os Lusitanos teriam assaltado.
 "Viriato Trágico" tal como "Os Lusíadas" de Luís de Camões, que também retrata Viriato, são obras de forte sentido nacionalista, as descrições de Viriato e dos acontecimento relatados são, naturalmente muito fantasiosas.

Já nessa época a escassez de água do rio Pavia, durante o Verão, era uma realidade.
A construção da "Cava" é atribuída aos romanos e 1770 anos depois, ainda era uma fortaleza notável e estava bem conservada.
A batalha travada, pela tomada da fortaleza, foi tão feroz que o rio Pavia ficou tinto de sangue.
O autor apropria-se dos Lusitanos e do Viriato que designa como "Portugueses", cheios de brios, qualidades e valentes, por oposição aos "castelhanos"  que seriam "covardes" ou "galinhas".