EDITORIAL


Quando eu me poupe a falar,
Aperta-me a garganta e obriga-me a gritar!
José Régio


Aqui o "Acordo Ortográfico" vale ZERO!
Reparos ou sugestões são bem aceites mas devem ser apresentadas pessoalmente ao autor.

20250425

Abril de sim Abril de não


Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.


Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.


Vi Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.


Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.


Manuel Alegre: Obra Poética, Lisboa (1999), publicações D. Quixote, p.444



20250419

Páscoa

Um dia de poemas na lembrança 

(Também meus)

Que o passado inspirou.

A natureza inteira a florir

No mais prosaico verso.


Foguetes e folares,


Sinos a repicar,


E a carícia lasciva e paternal


Do sol progenitor


Da primavera.


Ah, quem pudera


Ser de novo


Um dos felizes


Desta aleluia!


Sentir no corpo a ressurreição.


O coração,


Milagre do milagre da energia,


A irradiar saúde e alegria


Em cada pulsação.



Miguel Torga, in Diário XVI

 

20250324

Os Amigos do Alheio


Muitos políticos são amigos do alheio
Mas há muita gente séria lá pelo meio…
Parece que quanto mais alto é o patamar
Maior é a tendência para mentir e ocultar…
Sinto uma tristeza sem fim
Por termos tantos políticos assim…
 
Vai ser difícil acabar com esta realidade
Que dificulta tanto a governabilidade…
As gémeas, as casas e a empresa
Não são invenções, tenho a certeza!
 
Quem depois da tormenta ter provocado
Diz que o adversário é que é o culpado
Deve ser julgado e afastado…
 
Gente desta
Não presta!

CELSO NETO


20250216

"Vídeo Kills the Radio Star"


Cada vez menos espectadores nas salas de Cinema e mais gente transportando caixas de plástico com cassetes de vídeo. Geralmente vão aos pares e caminho de casa. Certamente que isto é uma constatação partilhada por muitos amigos. Os tempos que correm são assim:

Individualismo e facilidade.

Mais cassetes a “passear” e menos pessoas nas salas, lugar e eleição para os encontros com o mundo maravilhoso, fascinante e falso do Cinema.

É mais cómodo, a escolha mais ampla, mais económico e os que escolhem o vídeo ficam contentes. E fazem muito bem. Desfrutam ao seu modo.

O vídeo não me satisfaz. Ainda lhe falta muito para ser comparável ao Cinema e nunca o será. São duas coisas distintas e talvez venham a ser complementares.

O Cinema é na sala escura, no “Silver Screen”.

Cinema é viver em grande.

O vídeo não passa de uma pálida imitação do Cinema. As tv’s do futuro (próximo) serão grandes, para pendurar na parede, com formatos respeitadores dos écrans de Cinema e o mais importante de qualidade de imagem capaz de rivalizar com a película (alta definição).

Vamos aguardar a sua chegada. Claro que estes equipamentos vão ser caros, no início, depois a massificação fará baixar os custos.

O meu fascínio pelo Cinema vem de longe. Muito pequeno e já fugia de casa para o Cinema. Com três anos é evidente que o podia frequentar e por isso me limitava a olhar os cartazes, as fotografias e as grandes letras dos anúncios.

Ficava-me pelo “Hall” e por vezes atrevia-me a chegar à porta de onde fluíam os sons maravilhosos daquele mundo. Lá estavam o polícia, o porteiro e aquela porta fechada para mim.

Os amigos e vizinhos passavam o tempo a levar-me para casa e eu a regressar, logo que podia, para em bicos de pés, admirar as imagens dos cartazes que tanto me atraiam.

Cresci e a sala foi encerrada. Sim salas de Cinema a fechar não são coisa de hoje. Aquela sala era um Teatro e morreu talvez devido ao sucesso da TV.

Inegavelmente o vídeo tem coisas boas. Só o vídeo permite apreciar algumas das mais belas joias da 7ª. Arte. Só o vídeo permite, a muitos ver e rever as imagens ao ritmo da vontade e disponibilidade.

O Cinema exige uma entrega e um esforço maior, todavia é muito mais gratificante. Embora na obscuridade sentimos a presença dos outros e as suas reações.

As emoções vão percorrer a sala e contagiar os espectadores. Do cone de luz liberta-se Magia e esta invade a sala rapidamente. O projecionista é o mágico, o ilusionista que dirige o espectáculo da luz e da vida. Ele consuma o casamento feliz da película, com a luz. E este é um momento único.

Sejamos optimistas. O Cinema também pode ser melhor, ser ainda mais envolvente e sedutor, manter, recuperar e ganhar novos amantes.

 

AJ, in “Argumento”, Boletim Informativo do Cine Clube de Viseu, nº 38 de Novembro de 1990.

 

P.S. – A sala referida no texto era o demolido “Avenida Teatro”, existente na Avenida Emídio Navarro. Este despretensioso pedaço de prosa, foi classificado pelo diretor do boletim do Cine Clube de Viseu que o aceitou para publicação, algum tempo depois de ter sido publicado, como “Sendo uma redação da 3ª Classe”. Facto que muito me honrou, vindo de um tal, Joaquim ALEXndre Oliveira Rodrigues (ALEX), cujo nome aparece, apenas 6 vezes, nessa edição do boletim do qual era director.

 

"Vídeo Kills The Radio Star" - Música dos "The Bugles", de 1981 , primeiro vídeo exibido pela MTV


20250104

Os Portugueses


“Os portugueses são naturalmente sofredores e pacientes: muita arrochada há-de ser a corda com que de mãos e pés os atam os seus opressores antes que rompam em um só gemido os desgraçados. Um murmúrio, uma queixa… nem talvez no cadafalso a soltarão!”

Almeida Garrett (Carta de M. Scevola, 1830)


20250101

Feliz Ano Novo, Caros Amigos!


Ficção de que começa alguma coisa!

Nada começa tudo continua.

Na fluída e incerta essência misteriosa

Da vida, flui em sombra a água nua.

Curvas do rio escondem só o movimento.

O mesmo rio flui onde se vê.

Começar só começa em pensamento.

Fernando Pessoa


20241224

Feliz Natal para Todos


Pastorinhas do deserto,

Levantai-vos que é de dia;


Há muito que o sol é nado


No regaço de Maria.


Deixai cajado e manta,


Vinde todos a Belém


Adorar o Deus Menino


Nos braços da Virgem-Mãe.


Leva arriba, pastorinhos


Leva arriba, maltesia,


Já lhe está a dar a mama


Sua mãe Virgem Maria.


 

Aquilino Ribeiro in “O Livro do Menino Deus” (1945)