(...) Nos últimos dias, eu vira-o, e a Viriato, por diversas vezes. Em marcha e nos acampamentos, eles e os seus homens estavam perto das tropas de Cúrio e Apuleio. Por isso pude observar, uma vez mais, a diferença que havia entre Viriato e os outros comandantes. No seu conjunto, as nossas tropas dificilmente poderiam ser consideradas um verdadeiro exército; eram uma horda repartida em vários corpos que progrediam sem ordem, segundo o desejo ou a inspiração de cada chefe. Os mil guerreiros que cavalgavam atrás da insígnia do touro formavam, esses sim, um pequeno exército disciplinado. Quando acampavam, as tendas eram dispostas de acordo com uma ordem estabelecida; durante a marcha, os homens conheciam a posição que deviam ocupar e o que lhes competia fazer. Batedores postados na vanguarda e nos flancos da coluna vigiavam permanentemente o terreno.
Outra diferença importante estava na repartição dos despojos. Quase todos os chefes escolhiam primeiro as melhores peças e as mulheres mais jovens, o resto ficava para quem conseguisse deitar-lhe a mão e eram frequentes as rixas, não só entre guerreiros como até entre comandantes. Nada disto sucedia no acampamento de Viriato. Com uma autoridade absoluta e jamais contestada, ele distribuía os despojos segundo o valor demonstrado por cada homem e para si reservava somente alguma coisa de que tivesse necessidade: uma espada, um dardo, uma túnica – por vezes, mesmo, não queria nada. Quanto às mulheres, só deixava que tocassem nas escravas e não via com bons olhos que estas fossem maltratadas.
Em consequência, a harmonia reinava sempre entre os mil cavaleiros, para quem Viriato era não só o comandante mas também o juiz, o protector e quase um deus. Homens maduros, endurecidos por anos de guerra, obedeciam-lhe sem pensar que ele poderia ser seu filho. Ao considerar tudo isto, desejei mais uma vez poder passar sem desonra para a sua insígnia." (...)
Outra diferença importante estava na repartição dos despojos. Quase todos os chefes escolhiam primeiro as melhores peças e as mulheres mais jovens, o resto ficava para quem conseguisse deitar-lhe a mão e eram frequentes as rixas, não só entre guerreiros como até entre comandantes. Nada disto sucedia no acampamento de Viriato. Com uma autoridade absoluta e jamais contestada, ele distribuía os despojos segundo o valor demonstrado por cada homem e para si reservava somente alguma coisa de que tivesse necessidade: uma espada, um dardo, uma túnica – por vezes, mesmo, não queria nada. Quanto às mulheres, só deixava que tocassem nas escravas e não via com bons olhos que estas fossem maltratadas.
Em consequência, a harmonia reinava sempre entre os mil cavaleiros, para quem Viriato era não só o comandante mas também o juiz, o protector e quase um deus. Homens maduros, endurecidos por anos de guerra, obedeciam-lhe sem pensar que ele poderia ser seu filho. Ao considerar tudo isto, desejei mais uma vez poder passar sem desonra para a sua insígnia." (...)
"A Voz dos Deuses" de João Aguiar, 28ª edição, Editora Asa, Colecção Finisterra de Autores Contemporâneos, 370 páginas [Ligação].
João Aguiar (Lisboa, 1943) é licenciado em Jornalismo pela Universidade Livre de Bruxelas [Biografia e obra].