Conta-nos a tradição de muitos seculos, e ainda a historia, que, um dia, o Senado de Roma viu entravada a roda do seu carro triumphante nos Comoros escarpados dos Herminios, que um simples pastor guardava.
Esse pastor obscuro mas livre com as auras que lhe açoutavam os compridos cabellos da côr do ebano, e lhe refrigeravam a fronte angulosa e tisnada dos sóes das serranias, chamava-se Viriato.
Creâra-se alli, - na serra-, ao som das buzinas pegureiras chamando os rebanhos a seus redis, e do zumbir das pedras dos fundibulários, arremeçados com mão certeira sobre as turmas inimigas.
Seus avós foram os guerreiros de Tesino, e de Trébia, - os leões de Trasimeno, - e os heróes de Cannas.
Amavam todos a liberdade com um ardor selvagem… mais ainda do que a Endovellico de que lhes fallava o druida entre as paredes dos carns.
Uma noute, quando o herculeo pastor descançava em estreita cabana, - construída de troncos d’arvores e de mirrada folhagem, -ouviu-se perto, - no valle, - um rumor de homens que se abeiravam da serra, e logo um tinir d’armas, e um relinchar de corceis.
Eram os romanos, que vinham tomar de surpreza como miseros bandoleiros, o baluarte inexpugnavel que a natureza havia architectado para berço dos Apimanos, dos Canteros, Cezariões e Viriatos.
E á voz imperiosa de Sérvio Galba, os soldados da republica cahem de chofre sobre os desprecavidos pastores, - porque ao traiçoeiro capitão faltavam ainda umas manchas de sangue a collorirem-lhe a sua historia d’aleivosias. (…)
Mais tarde quando o colloso do Tibre já tinha assignado um tratado por onde reconhecia a independencia dos lusitanos, - um general cobarde – Quinto Scipião, - seduziu dous degenerados pésures, que assassinaram o caudillo.
Quando a cabeça de Viriato rolou no chão, subvertia-se n’esse momento a obra da autonomia dos lusitanos, que elle começava a erigir sobre os rochedos da sua serra, e por cima das ossadas das aguias de Negidio, que eram irmãs dos abutres de Servio Galba.
Vizeu.
OLIVEIRA MASCARENHAS
In, “Album de Viseu” - Ilustrado com os retratos de- Viriato, João de Barros, D. Duarte, João Mendes, Bispo de Viseu e estampas da cidade – cava de Viriato, Abravezes, S. Francisco d’Orgens, Praça dois de Maio, Sé, etc.
Typographia Universal, Rua do Almada, 347, Porto - 1884